Aristóteles, na antigüidade clássica,
dizia que os sons emitidos pela voz são
os símbolos dos estados da alma. A
análise clássica da linguagem lhe
atribuía, como função, externalizar o
pensamento. Temos aqui o que os
estudiosos chamam de a teoria do
pensamento – linguagem: a linguagem
verbal tem a função de exteriorizar o
pensamento. A linguagem é vista como
tradução: manifestação sensível e
externa da representação interna.
Portanto temos, aqui, a função
expressiva.
A crítica a esse modelo é que, se
concebemos a linguagem como tal, somos
levados a afirmações – correntes – de
que as pessoas que não conseguem se
expressar não pensam. Considera-se que,
ao falar, o homem apenas expressa as
idéias que não são geradas, mas eternas
por residirem em nossa razão e em nossa
inteligência antes da própria existência
física do ser humano..
Essa concepção ilumina, basicamente, os
estudos tradicionais sobre linguagem. A
linguagem, assim como o conhecimento,
são inatos. A relação professor/aluno é
unilateral: pergunta/resposta. O
discurso do professor é pré-elaborado.
Todas as falas são programadas. O
próprio currículo escolar, seus
objetivos, sua nomenclatura, fazem
claramente referência à necessidade de
desenvolver “a expressão”. Isso se
comprova tomando como exemplo uma idéia
norteadora integrante do projeto
político-pedagógico do curso de
Pedagogia de uma Universidade, ao traçar
o perfil do profissional (pedagogo) que
quer formar e ao elencar os objetivos do
curso: “Habilidade de expressão oral – a
expressão oral é indiscutivelmente, um
dos conhecimentos mais importantes para
a atividade profissional do professor”.
Confunde-se habilidade com conhecimento.
Aqui não se está negando que essa
habilidade seja importante. O que se
quer mostrar é que pensar a linguagem
dessa forma é uma atitude reducionista.
Em 1934, o psicólogo austríaco Karl
Bühler propôs um modelo de forma
triádica, apontando três fatores básicos
para a linguagem: o destinador
(mensagens de caráter expressivo), o
destinatário (mensagens de caráter
apelativo) e o contexto ( mensagens de
caráter comunicativo). A partir desses
fatores básicos, formulou três funções
para a linguagem verbal: função
expressiva ou sintomática, centrada no
destinador; função de sinal, centrada no
destinatário; função de descrição ou
representação, centrada no contexto. K.
R. Popper acrescentou, a essas três, a
função de discussão argumentada.
A teoria matemática da informação
(inspiradora das teorias da informação e
da comunicação) formulada por Weaver e
Schannon trouxe um impulso decisivo à
questão ao propor um modelo para a
comunicação. Essas teorias veiculam uma
concepção de linguagem como
comunicação.
Schannon também exprimiu matematicamente
a quantidade de informação transmitida
por uma mensagem. Para ele, a medida de
originalidade da mensagem é: a
quantidade da informação é função de sua
probabilidade. Quanto mais imprevisível
for a mensagem, maior será a informação.
A teoria da informação é aplicada hoje
nas telecomunicações, na informática e
na lingüística.
Partindo do modelo das três funções de
Schannon e Weaver, o lingüista russo
Roman Jakobson ampliou para seis as
funções da linguagem. Embora
controvertido, é um modelo de largo uso
nos estudos das ciências da comunicação
e informação, sendo abordado, também, em
alguns livros didáticos, o que se
justifica pela grande utilidade na
análise e produção de textos.
Jakobson enfoca o perfil da mensagem,
conforme a meta ou orientação dessa
mesma mensagem em cada fator de
comunicação, a saber: emissor, receptor,
canal, código, referente, mensagem.
Segundo Jakobson, as atribuições de
sentido, as possibilidades de
interpretação que se possam deduzir e
observar na mensagem estão localizadas
primeiramente na própria direção
intencional do fator da comunicação, o
qual determina o perfil da mensagem, sua
função, a função de linguagem que marca
aquela informação.
Chalhub (1989, p. 6) esquematiza as
informações acima da seguinte forma:
Enfase no fator |
determina |
Função de linguagem |
Referente |
--------------- |
Referencial |
Emissor |
--------------- |
Emotiva |
Receptor |
--------------- |
Conativa |
Canal |
--------------- |
Fática |
Mensagem |
--------------- |
Poética |
Código |
--------------- |
Metalingüística |
As seis funções ditas por Jakobson são
apresentadas por Vanoye (1998) da
seguinte forma:
a) função referencial, também
chamada de denotativa, está
centrada no referente. Tudo o
que, na mensagem, remete aos
referentes situacionais ou
textuais concerne à função
referencial;
b) função emotiva ou expressiva,
centrada no destinador (ou
emissor) da mensagem, exprime a
atitude do emissor em relação ao
conteúdo de sua mensagem e da
situação;
c) função conativa, que se
orienta para o destinatário.
Tudo o que, na mensagem, remete
diretamente ao destinatário
dessa mensagem concerce à função
conativa, cujas manifestações
mais evidentes são os
imperativos e os vocativos;
d) função fática, centrada no
contato (físico ou psicológico);
tudo o que numa mensagem, serve
para estabelecer, manter ou
cortar o contato (portanto a
comunicação) concerne a essa
função, que manifesta,
essencialmente, a necessidade e
o desejo de comunicar;
e) função poética, que se centra
na própria mensagem. Ela coloca
o lado palpável dos signos. Tudo
o que, numa mensagem, suplementa
o sentido da mensagem através do
jogo de sua estrutura, de sua
tonalidade, de seu ritmo, de sua
sonoridade, concerne à função
poética; e,
f) função metalingüística,
centrada no código. Tudo o que,
numa mensagem, serve para dar
explicação ou precisar o código
utilizado pelo destinador
concerne a essa função. É uma
linguagem que fala da própria
linguagem.
Como se vê, o lingüista Jakobson
caracterizou as seis funções da
linguagem, cada uma delas estreitamente
ligada a um dos seis elementos que
compõem o ato de comunicação.
Os seguidores dessa teoria alertam que,
numa mesma mensagem, várias funções
podem ocorrer, uma vez que, atualizando
concretamente possibilidades de uso do
código, entrecruzam-se diferentes níveis
de linguagem. As funções dialogam, não
há mensagem solitária na sua marca...
Podemos afirmar que esses modelos
veiculam uma concepção de linguagem que
vê língua como código (conjunto de
signos que se combinam segundo regras)
capaz de transmitir ao receptor uma
certa mensagem. A concepção comunicativa
da linguagem (ligada ao movimento
estruturalista) é vista com ressalvas
por reduzir a comunicação humana a uma
forma vazia e ritualizada. Auroux afirma
que o principal defeito desse modelo “é
o de pressupor que a linguagem humana
possui a estrutura de um código e que há
sempre mensagens preestabelecidas a
codificar de modo perfeitamente definido
a priori” (1998, p. 41).
Outra crítica a esse modelo encontramos
em Furlanetto:
... função comunicativa
corresponde a um arcabouço
pobre, considerando a
complexidade das relações
humanas. Com efeito, os termos
‘falante-emissor’,
‘ouvinte-receptor’ pressupõem um
papel ativo para o primeiro e
passivo para o segundo
(recepção/compreensão). Embora
tal esquema corresponda a um
aspecto real, é falho quando se
pretende que represente o todo
da comunicação. (1995, p. 2-3)
Consideramos, ainda, que a linguagem, na
concepção comunicativa, é centrada na
informatividade da mensagem, na
funcionalidade e não no ato de
linguagem. A preocupação é mostrar como
“funciona a comunicação” e não a de
estabelecer interações, de “ouvir” e
“dar voz” ao outro.
Essas teorias influenciaram, na década
de 70 e 80, o ensino da língua. Até o
nome da disciplina Língua Portuguesa foi
substituído por “Comunicação e
Expressão”. Os livros didáticos de 1o e
2o graus eram estruturados e ancorados
nessa concepção (o que não quer dizer
que hoje sejam diferentes). Basta ver e
analisar, por exemplo o livro “Do texto
ao texto”, de Ulisses Infante (1998, p
213-291), que em oito capítulos trata
das funções da linguagem, segundo
Jakobson. Explicita a importância desse
estudo por sua relação com o ato de
produzir textos, por fornecer subsídios
para analisar e incrementar as práticas
da leitura e da redação.
Em alguns livros didáticos de 5a série
do ensino fundamental, na parte
destinada à “compreensão e
interpretação” de textos, as questões
são formuladas no sentido de identificar
o emissor, o receptor, qual o código, a
mensagem, qual o canal ou o meio
utilizado para a transmissão dessa
mensagem, se houve ruído, etc... A
preocupação fundamental nesse tipo de
ensino é a transmissão de conhecimentos.
Para superar as limitações e o
reducionismo das concepções anteriores,
quando o russo L. Vygotsky propõe a
linguagem como ferramenta psicológica
estruturante (função cognitiva –
mediadora entre relações e categorias
mentais abstratas e o mundo) e de ação
social, seu conterrâneo Bakhtin lança as
bases de uma nova concepção de
linguagem: ela é uma forma de
inter-ação, porque mais que possibilitar
transmissão de informações e mensagens
de um emissor a um receptor, a linguagem
atua como um lugar de interação de
interlocução humana. Através dela, o
sujeito que fala pratica ações que não
conseguiria realizar a não ser falando;
com ela, o falante age sobre o ouvinte,
constituindo compromissos e vínculos que
não pré-existiam à fala.
Agora a linguagem é vista como
instrumento de interação social e
formadora de conhecimento. Essa
concepção supera a concepção da
linguagem como sistema preestabelecido,
estático, centrado no código, uma vez
que Bakhtin afirma que a verdadeira
substância da língua (...) não é
constituída por um sistema abstrato de
formas lingüísticas (...) mas pelo
fenômeno social da interação verbal,
realizada através da enunciação e das
enunciações (1986: 109).
A enunciação deve ser compreendida como
uma réplica do diálogo social, é a
unidade base da língua; trata-se do
discurso interior e exterior. Ela é de
natureza social, portanto, ideológica,
não existindo fora do contexto social. É
o produto da interação de indivíduos
socialmente organizados.
Nessa concepção, segundo Bakhtin, a
linguagem verbal exerce uma função
fundamental pelo fato de que “... toda
palavra comporta duas faces. Ela é
determinada, tanto pelo fato de que
procede de alguém, como pelo fato de que
se dirige para alguém. Ela constitui
justamente o produto da interação do
locutor e do ouvinte” (1986, p. 113)
As afirmações acima abrem espaço para
mais uma formulação da concepção de
linguagem inter-ação: o dialogismo,
conceito chave na teoria de Bakhtin
(1986), transcende ao sentido restrito
(a comunicação verbal direta e em voz
alta entre uma e outra pessoa).
Dialogismo é toda comunicação verbal,
qualquer que seja a forma. Do ponto de
vista discursivo, não há enunciado
desprovido de dimensão dialógica, pois
qualquer enunciado sobre um objeto se
relaciona com enunciados anteriores
produzidos sobre este objeto. Por isso,
todo discurso é fundamentalmente
diálogo. Isso significa que os
significados e sentidos são produzidos
nas relações dialógicas, na mesma medida
em que sujeitos e objetos no mundo se
constituem como sujeitos e objetos do e
no mesmo discurso.
Assim podemos avaliar a importância da
relação entre sujeitos (dimensão
constitutiva da linguagem), porque a
palavra está, fundamentalmente, alienada
ao outro – aquilo que procuro na palavra
é a resposta do outro que me irá
constituir como sujeito – a minha
pergunta fundamental ao outro diz
respeito a onde, como e quando começarei
a existir na sua resposta. Aparecem,
aqui, duas funções da palavra
intimamente ligadas: a mediação para o
outro e a revelação do sujeito.
Benveniste (1976) explica com
propriedade essa relação: a consciência
de si mesmo só é possível se
experimentada por contraste. Eu não
emprego eu a não ser dirigindo-me a
alguém que será a minha alocução em tu
(o outro).
A influência da concepção interacional
de linguagem no ensino da língua é
lenta, uma vez que os professores que
atuam hoje nas escolas públicas e
privadas tiveram sua formação acadêmica
embasada em linhas tradicionais e ou
estruturalistas. Trabalhar a linguagem
como processo de interação exige
redefinição de papéis: o professor não
pode ser visto como o agente exclusivo
da informação e formação dos alunos,
antes atuará como mediador. Seu papel é
polemizar, discutir, ouvir as diversas
vozes, desafiar. No processo de
interação, as falas são imprevistas,
elas constituem a essência do processo
de ensino. Trabalhar nessa perspectiva é
ver as interações verbais e sociais como
espaço de construção de conhecimento.
Referências